3.2.12

Hair!

É o seguinte: sempre li que o musical Hair, no cinema, havia modificado, radicalmente, a estrutura do musical. Sempre achei que isso não passaria de exagero dos puristas de um lado, ou, de outro, certo despeito em relação à genialidade de Milos Forman. Bem, anos depois de que eu vi a primeira a versão cinematográfica que tanto me encantou, foi que eu tive oportunidade de ter acesso ao musical. Óbvio que eu já tinha uma série de gravações com elencos diversos do teatro, na Broadway ou em outras paragens, incluindo a versão [bem fraquinha, musicalmente, feita no Brasil, na década de 1960], mas eu não podia apreender completamente a estrutura do musical, pois nenhuma dessas versões traz o libretto completo, o que me ajuda a entender a estrutura dramatúrgica dos musicais, sem que eu precise necessariamente vê-los na íntegra. Não havendo o libretto, eu sempre ficava pairando no vácuo, sem saber, ao certo, quem cantava cada parte, como as musicas se sucediam e como as coisas se articulavam e, assim, eu sempre recorria ao filme como uma possível guia para este entendimento, todavia, quase sempre, a coisa não dava muito certo.

Mas, vamos lá. Claro que não é mais do que obrigação entender que o musical Hair, foi um marco seja para o próprio subgênero do “rock musical” ou, depois, para a definição das “rock operas”. Os jovens autores, à época – 1967 – experimentavam com formas bastantes comuns àquele contexto, em que pululavam os happenings, e começavam a problematizar a forma do musical tradicional estadunidense, trazendo temas contemporâneos, representando a juventude e toda a perplexidade da sociedade diante dos hippies, do sexo livre, das drogas e, claro, as controvérsias em torno da guerra contra o Vietnã. A produção foi abraçada por um importante homem relacionada à tradição shakespereana, Joseph Papp, que abria um novo espaço, o Public Theater, e que achou que este novo musical seria uma chamada interessante.

Daí em diante, é história, e isso não cabe aqui. Mas, volto, contraditoriamente, à minha própria história. Depois de um sem número de desventuras, chego à Sampa, para ver, não sem uma imensa curiosidade, a montagem de Hair. Claro que num momento histórico em que a própria linha do tempo dos musicais viu eclodir Jesus Christ Superstar, Tommy, Rent ou mesmo Spring Awakening, tudo o que vou falar é quase percepção ridícula. Mas, para mim, era tudo novidade. Acostumado com a versão cinematográfica, e aqui caberia uma discussão imensa sobre adaptação/tradução e narratologia (tenho logo vontade de chamar Danielle Lima Ribeiro para esta viagem), que não vou nem começar, vi com muito interesse, pela primeira vez, uma montagem teatral desta peça.

Vou tentar ser mais rápido, pois já tá ficando com cara de tratado. Enfim, o mote é aquele que todo mundo que viu o filme sabe: um grupo de hippies discutem não só sua relação com a família e com a sociedade estadunidense, como também se posicionam com “paz e amor” em torno da guerra. Todavia, ao contrário do que temos no filme, Claude não é um rapaz caipira e deslumbrado com os hippies que encontra no Central Park. Ele é mais um membro da tribo, e mora no subúrbio, e tem até um pouquinho de vergonha disso e por isso mesmo brinca se dizendo de Manchester, England, England --- como bem se canta na música. Claude é, com toda certeza, o centro do roteiro, extremamente descosido e frágil, ou melhor seria dizer, simples, em que as coisas se aceleram, mas que nunca se tornam desinteressante, ao contrário. A música icônica – Aquarius -- ao passo que discute a eclosão de uma nova “era”, é obviamente uma referência que vai se construindo e se ampliando para destacar este lugar de Claude, como símbolo ou mártir do ainda american way of life, ou, quem sabe, de um idealismo tolo, sobre vencer a guerra, com outras armas – afinal, Claude é de Aquário, e é inconstante e sobre ele pesam marcas estranhas, sempre vaticinadas por Dionne, a personagem que canta a música e que se desenvolve um pouco mais no enredo da peça. Em sendo de Aquário, Claude é capaz de tudo e de todas as contradições.

Enfim, sendo marcada, portanto, por uma contradição temático-formal, a peça se utiliza das canções iniciais para apresentar as personagens que se destacam da tribo, e surge a figura de Berger, que, no filme, ganha ares de protagonista absoluto. Muitas das ações de Berger na verdade são de Claude na peça. Incluindo o final em morte. É isso. Perdi o fôlego. Só sei que foi bom demais. E melhor ainda sair do teatro ao som de Nina Simone, cantando “Ain’t got no”. Desculpem lá os que não gostam de musical, os que torcem o nariz pelo excesso de academicismo ou de esquerdismo. Eu sou de Aquário. Portanto, sou assim.

23.4.10

eu falei sobre Bela

Florbela d’Alma da Conceição Espanca nasceu no dia 08 de dezembro de 1894, numa pequena cidade do Alentejo, em Portugal. Sóror de um convento chamado Saudade, Princesa de reinos encantados, cortesã da Morte, Florbela viveu sob o signo da dor, sempre presente em seus escritos, em prosa ou em verso, espécie de ingrediente íntimo, de matéria tocante, leitmotiv poderoso, componente de sua própria existência.

Filha ilegítima de um pai que só a registrará em cartório anos após sua morte, fruto de uma relação entre um homem casado a quem era concedido o direito à amante, pela própria esposa, num Portugal que via o divórcio como algo quase demoníaco, a autora, certamente por estes liames de sua biografia, acabará sofrendo inúmeras detratações, diante de um cenário pudico e de castração da liberdade da mulher, como o era aquele primeiro quartel do século XX. De todas elas, a que por sua estranha popularidade de mentira muitas vezes contada acaba sendo a mais séria, é a acusação de viver uma relação incestuosa, por conta de sua verdadeira adoração ao irmão Apeles Espanca. Mentira. Nada além disso. A Apeles, alma irmã da sua, só o Sol e o Mar, o berço das Sereias, como bem o vemos em seu conto O aviador. Some-se a isso sua necessidade de amar, “amar só por amar”, que a fez contar três casamentos e dois divórcios. E a possibilidade (ou necessidade?) de falar sobre isso, de falar sobre uma erótica feminina transcendental, que se encontra no outro, sempre visto como um Deus, “princípio e fim”. A crítica literária de sua época não a aprovou: considerava-se inadequado a uma mulher falar com aquelas palavras, descrever seu sentir daquela maneira – estes expedientes ficavam para as putas. Foi o tempo que a resgatou em sua dignidade de poeta.

Mas é a dor que a motiva, aquela pela sua mãe morta precocemente aos 29 anos, em 1908; a dor pela morte de seu irmão, a quem dedica o livro “As máscaras do Destino” – pedindo que os vivos passem adiante e diante do seu Morto querido, que se debruçara sobre seu ombro enquanto escrevia as páginas de sua prosa. E, talvez, seja esta mesma dor de existir que a leva, ritualisticamente e magicamente, a deixar a Morte entrar, a senhora dona Morte, de aquecido abraço, desejada desde sempre, quando no mesmo dia 08 de dezembro, agora de 1930, quando contaria 36 anos de existência, tomou uma dose fatal de barbitúricos e silenciou-se “por não haver nem gestos, nem palavras novas”, como bem podemos ler em seu Diário do último ano, última testemunha de seu retorno para o país de lenda de onde era originada, após deixar as terras do exílio na vida.

11.8.09

voltei, recife.

abandonado este espaço desde há muito tempo, lembrei dele hoje. estou tentando retomar o gosto por escrever as famosas besteiras por aqui. mas, a correria dos últimos meses -- muitas vezes bastante improdutiva -- me deixou meio paralisado, meio que em inércia. aliás, inércia é uma palavra que comparece muito por aqui. tenho tentado sair dela. em busca de liberdade. palavra bastante difícil aliás e sobre a qual tenho refletido muito e muito. um sonho. um desejo. um pedaço. a busca da metade. um muito e um pouco de tudo isso. volto. prometo!

5.4.09

Bela

"Assim, nas suas aventuras sentimentais, [o Luís] dá, em troca de pedras preciosas, dinheiro falso e... como cada um dá o que tem, elas dão sempre pedras preciosas e ele continua a dar dinheiro falso. E, quando chegar a morte, terá ignorado dois dos maiores prazeres da vida: o prazer de possuir pedras preciosas e o prazer de as dar." em 13 de março de 1930. Florbela Espanca.

16.3.09

novela

voltando às postagens. hj fikei em casa e vi o primeiro capítulo da novela Paraíso, remake do original de Benedito Rui Barbosa. Muito interessante a maneira como se desenvolveu este capítulo - pena que, com certeza, daki a pouco tudo caia na mesmice das novelas. Fiquei prestando atenção na maneira como o script se centrou na caracterização, durante todo o capítulo, do núcleo principal de protagonista, utilizando da maneira como as personagens falam uma das outras p a construção da perspectiva e de uma primeira impressão sobre os mesmo, oscilando a perspectiva entre as duas familias. um show. até.

29.1.09

só pra deixar claro

não move mais meu mundo.

se ele se move, move-se pela inércia de continuar.

8.11.08

a uma pessoa que move meu mundo

Lílitchka!
EM LUGAR DE UMA CARTA


Fumo de tabaco rói o ar.
O quarto –
um capítulo do inferno de Krutchônikh.
Recorda –
atrás desta janela
pela primeira vez
apertei tuas mãos, atônito.
Hoje te sentas,
no coração – aço.
Um dia mais
e me expulsarás,
talvez, com zanga.
No teu “hall” escuro longamente o braço,trêmulo, s
e recusa a entrar na manga.
Sairei correndo,
lançarei meu corpo à rua.
Transtornado,
tornado
louco pelo desespero.
Não o consintas,
meu amor,
meu bem,
digamos até logo agora.
De qualquer forma
o meu amor
– duro fardo por certo –
pesará sobre ti
onde quer que te encontres.
Deixa que o fel da mágoa ressentida
num último grito estronde.
Quando um boi está morto de trabalho
ele se vai
e se deita na água fria.
Afora o teu amor
para mim
não há mar,
e a dor do teu amor nem a lágrima alivia.
Quando o elefante cansado quer repouso
ele jaz como um rei na areia ardente.
Afora o teu amor
para mim
não há sol,
e eu não sei onde estás e com quem.
Se ela assim torturasse um poeta,
ele
trocaria sua amada por dinheiro e glória,
mas a mim
nenhum som me importa
afora o som do teu nome que eu adoro.
E não me lançarei no abismo,
e não beberei veneno,
e não poderei apertar na têmpora o gatilho.
Afora
o teu olhar
nenhuma lâmina me atrai com o seu brilho.
Amanhã esquecerás
que te pus num pedestal,
que incendiei de amor uma alma livre,
e os dias vãos – rodopiante carnaval –
dispersarão as folhas dos meus livros...
Acaso as folhas secas destes versos
far-te-ão parar,respiração opressa?

Deixa-me ao menos
arrelvar numa última carícia
teu passo que se apressa.


Vladimir Maiakóvski