13.4.06

A estréia - em torno da paixão 03

Cheguei na chamada Praça do Bispo ali pelas 19:30 h. e a arquibancada de frente à Igreja já estava quase lotada. Esperamos um monte pelo início do espetáculo, pois, dentro da Igreja, havia um recital de música (sei lá qual, executado por sei lá quem). Confesso que pairava sobre mim um misto de muitos sentimentos – desde uma saudadezinha do ano passado e dos abraços de Rosa de Lima (ela sabe do que estou falando!) até uma invejinha (branca) de todos. Roí todas as unhas de novo e olhava a cada dois segundos pro relógio. Esperando, esperando, esperando.... Vi Duílio, de novo, andando de um lado pro outro; vi Ingrid Trigueiro mais magra; vi Mauríco Germano e o restante do pessoal do Himalaia (aqueles que enquanto bordam contam piadas). Vi Fabiano Diniz testando a luz.

Ali pelas 21:25 é que a FUNJOPE anunciou o início do espetáculo. Arena cheia. Um público inquieto e desatento. Talvez desinteressado, ou, quem sabe, despreparado. Com a arena apagada inicia-se a música – uma nota musical dá o tom em que Zé Guilherme – Dom Marcos – tem que começar a aboiar o elenco e o espetáculo. Não sei se era o microfone – que teimava em não funcionar muito bem – mas, tive a impressão de que a voz dele embargava e que, talvez, teimasse em desobedecer. Os quatro evangelistas entraram ao som da música de abertura. Emoção? Talvez! Eles se apresentam e o público fica meio em choque até que entram os estandartes e os grupos de romeiros, conclamados à cena por cada um dos dons: Joht Cavalcanti (Dom Lucas), João Dantas (Dom Mateus) e Melania Silveira (Dom João). Os estandartes têm que se abaixados para não derrubarem os fios e os microfones que teimam em não funcionar corretamente... mas, quem se importa?, ouço algumas exclamações como “Puxa, que bonito!’ – diante das filas que giram em torno do eixo da mandala que cobre o “palco” circular.

Dom Marcos anuncia o casal “da imagem” e as portas da igreja abrem, mostrando José e Maria, acompanhados de anjinhos. O público suspira e aplaude. Uma criança diz: “Mãe, tem tanta poeira!” Ai, meu Deus, essa é a magia! O restante do quadro é de Eleonora Montenegro. Ela saltita como a Maria jovem, surpreendida por um anjo, talvez, caído de um quadro maneirista ou renascentista, mas que tem sotaque estrangeiro, mesmo que seja ainda barroco. Ela canta o “Magnificat” diante das pastorinhos dos dois cordões e nos toma pela mão para ir dizer a José sobre a sua gravidez. Sai de cena e torna a voltar, no caminho pra Belém, acompanhada por uma procissão de candeias que circundam-na para “ver”, curiosamente, o nascimento do bebê. São essas mesmas candeias que se tornam a estrela: não a do céu, mas a da terra onde o menino nasceu, no chão da praça. A gente não acredita que aquilo aconteceu bem ali, diante de nossos olhos. Entram os reis que cantam e dançam em louvor do menino e de nossas três etnias – um negro, um índio e um branco – que, se perpetuam mais uma vez a nossa vontade de harmonia entre raças, também pontuam o louvor de toda terra e gente praquele menino acabado de nascer. Esse quadro arrebata o público. Acho que o espetáculo é “ganho” aí. Sempre acredito que a gente tem que “ganhar” o público nas primeiras cenas, assim, ele cúmplice, entra no jogo. A próxima transição é bela. Embaixo dos arcos floridos, um grupo de romeiros abraça Maria que, numa mutação à vista, torna-se Jesus adulto, vestido em cena com sua túnica branca. Entram os lanceiros do Maracatu, que se tornam o Rio Jordão, que se eleva aos céus e, logo depois, marca a entrada da tríade demoníaca. Essa cena, em sua concepção é bastante interessante, mas ela perde em energia na realização, mesmo que os atores façam o que podem e o que não podem pra conquistá-la. Jesus (Kleber Marone) é envolvido numa teia, em laços que o prende aos demônios do ala-ursa.

Jesus arrebanha seus discípulos e eles se dirigem à Canaã, onde haverá uma festa de casamento. A solução é emocionante – ao som de rabecas, entram por lados opostos da arena, o noivo e a noiva, carregados por seus partidários. O encontro é no centro da arena, misto de casamento judaico e festa na roça, com coreografias ora de festa judia ora de quadrilha junina. È fantástico, principalmente, quando termina com a embolada – “Isso vai dar o que falar/ Isso vai dar o que falar/ A água que virou vinho/Lá nas bodas de Caná”. Genial!

Amanhã, escrevo sobre o restante do espetáculo! Vão ver! Vão ver!