23.4.10

eu falei sobre Bela

Florbela d’Alma da Conceição Espanca nasceu no dia 08 de dezembro de 1894, numa pequena cidade do Alentejo, em Portugal. Sóror de um convento chamado Saudade, Princesa de reinos encantados, cortesã da Morte, Florbela viveu sob o signo da dor, sempre presente em seus escritos, em prosa ou em verso, espécie de ingrediente íntimo, de matéria tocante, leitmotiv poderoso, componente de sua própria existência.

Filha ilegítima de um pai que só a registrará em cartório anos após sua morte, fruto de uma relação entre um homem casado a quem era concedido o direito à amante, pela própria esposa, num Portugal que via o divórcio como algo quase demoníaco, a autora, certamente por estes liames de sua biografia, acabará sofrendo inúmeras detratações, diante de um cenário pudico e de castração da liberdade da mulher, como o era aquele primeiro quartel do século XX. De todas elas, a que por sua estranha popularidade de mentira muitas vezes contada acaba sendo a mais séria, é a acusação de viver uma relação incestuosa, por conta de sua verdadeira adoração ao irmão Apeles Espanca. Mentira. Nada além disso. A Apeles, alma irmã da sua, só o Sol e o Mar, o berço das Sereias, como bem o vemos em seu conto O aviador. Some-se a isso sua necessidade de amar, “amar só por amar”, que a fez contar três casamentos e dois divórcios. E a possibilidade (ou necessidade?) de falar sobre isso, de falar sobre uma erótica feminina transcendental, que se encontra no outro, sempre visto como um Deus, “princípio e fim”. A crítica literária de sua época não a aprovou: considerava-se inadequado a uma mulher falar com aquelas palavras, descrever seu sentir daquela maneira – estes expedientes ficavam para as putas. Foi o tempo que a resgatou em sua dignidade de poeta.

Mas é a dor que a motiva, aquela pela sua mãe morta precocemente aos 29 anos, em 1908; a dor pela morte de seu irmão, a quem dedica o livro “As máscaras do Destino” – pedindo que os vivos passem adiante e diante do seu Morto querido, que se debruçara sobre seu ombro enquanto escrevia as páginas de sua prosa. E, talvez, seja esta mesma dor de existir que a leva, ritualisticamente e magicamente, a deixar a Morte entrar, a senhora dona Morte, de aquecido abraço, desejada desde sempre, quando no mesmo dia 08 de dezembro, agora de 1930, quando contaria 36 anos de existência, tomou uma dose fatal de barbitúricos e silenciou-se “por não haver nem gestos, nem palavras novas”, como bem podemos ler em seu Diário do último ano, última testemunha de seu retorno para o país de lenda de onde era originada, após deixar as terras do exílio na vida.

1 Comments:

Blogger LBMOJO said...

Diogenes, e Lila, aquela norte-americana de muitos anos atras. Por favor entrar em contacto: LB2035@gmail.com. Estou indo a JP e quero ver voce se for posivel.

2:22 PM  

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