12.5.07

o céu azul, a terra ocre, um bando de gente lutando pra ser feliz [versão 1,5 – Cineport]

Vi, ontem, pela segunda vez, o novo filme de Karim Aïnouz, intitulado O céu de Suely. Agora, este filme não era mais, apenas, esperado, ele era desejado e desejável. Agora, também, não só pela presença emblemática da chamada primeira dama’ do teatro paraibano, a atriz com quase cinqüenta anos de carreira, Zezita Matos, mas pelos nomes já nossos conhecidos: João [Miguel], Hermila [Guedes]. O filme, como sempre, chega com barulho, arrastando a expectativa de quem não viu, todo mundo sempre falando o melhor. Parece, quase, a construção de uma grande e nova unanimidade. Ainda não ouvi uma voz destoante. Todo mundo que vai sai emocionado. Como não tenho muito mais a dizer, digo o mesmo, de novo. Mas, nunca o é.

Em se tratando de um filme do mesmo diretor de outra pérola do cinema nacional, Madame Satã, a gente não poderia esperar algo menos excitante e interessante. Se o filme anterior nos pega como um soco no estômago, mesclando lirismo, poesia e muita vida real [no que há de melhor e de pior nesta expressão]; este novo nos pega pela confusão em que ele nos joga ao tratar da mais cotidiana das personagens, da mais cotidiana vida, daquilo que, nós, nordestinos, ao menos, reconhecemos como nosso -- a migrante que volta de São Paulo e não mais consegue se adaptar ao Nordeste, trazendo um filho nos braços, ideais de como melhorar de vida engrossando o mercado da pirataria de cds, dvds e games... além de, claro, uma estória de amor que, como veremos, será nada mais nada menos que frustrada -- essa é Hermila. Obviamente, como o leitor poderá perceber, contrariando o que disse antes, apesar de, talvez, nós, nordestinos, reconhecermos as personagens, as paisagens, as músicas [!], este local – só para recair, mesmo, no velho clichê – se torna universal: e o filme torna-se grande! Hermila é o mundo todo!

Caindo sem pára-quedas na casa da avó [Zezita] e da tia [Maria], ela irá conhecer Georgina, uma menina que se prostitui ali, nos arredores do Posto, enquanto esquece a vida tomando porres de acetona, fumando um cigarrinho de maconha e, óbvio, dançando muito forró, do grupo de sucesso popular Aviões do Forró, na boca da noite, com um 'tubo' de vodca [ou será cachaça?] cana na mão... São fantásticas estas cenas -- Hermila, a atriz, arrebata-nos como Hermila, a personagem, na medida em que o forró de plástico e de dor de cotovelo é transformado em síntese do não-lugar de Hermila -- a única pessoa que usa um cabelo pintado com duas cores na cidade: este forró toca em qualquer lugar, do Norte ao Sul deste país, fala a quaisquer ouvidos e, talvez, ali ela seja ela. Naquele não-lugar, síntese da Hermila que partiu de Iguatu e da que voltou para lá, ela pode dançar! Que ventura: dançar! Georgina, a princesinha do Posto, abre as portas de novas possibilidades para Hermila. Vejamos: num lugar onde tudo se rifa, Hermila insiste em rifar uma garrafa de uísque, para tentar conseguir um pouco de dinheiro, mas Georgina, consegue seu dinheiro com a prostituição. É curioso entender como essa sua atividade quase parece natural num lugar de passagem, por onde tudo passa: ônibus, caminhões, carros, motos, até um trem. Tudo passa, deixando apenas aquelas vidas para trás. Hermila, todavia, não quer ficar para trás.

Ela quer sair daquele lugar, onde de tanto calor o único espaço de refrigério é a porta aberta da geladeira. Mas, para cada uma das personagens há uma possibilidade: Zezita espera que a neta fique e seja feliz, Maria espera o dia de levar Georgina para praia em Fortaleza, quando verá a moça se queimando no Sol, de biquíni; João espera que Hermila fique e seja dele. Mas, ela não é dali. Surge a outra possibilidade: na lógica da rifa, por que não se rifar a si mesma? Ou melhor, rifar o seu corpo? É neste momento que Hermila se torna outrem. O corpo a ser rifado é o corpo de Suely -- a moça estranha àquele lugar. Hermila é neta de sua avó, Suely é o passaporte para o céu. Suely pode oferecer-se a todos, Hermila não -- ela espera Mateus ligar de Sampa, ela faz amor com João, ela dança. Hermila engravidou de Mateus, numa tarde de domingo, ganhou um cd com suas preferidas e deitou num cobertor azul, como o céu que Suely queria e sonhava.

Zezita Matos numa atuação discreta, todavia irrepreensível, tem seu grande momento quando dá umas boas pancadas em Hermila [ou será em Suely] enquanto quer entender a questão da rifa. É uma coisa, digamos, impactante. Principalmente por que tínhamos visto aquela avó observando tudo, em silêncio. Ou porque, depois, veremos a família comer, prosaicamente, um delicioso macarrão com molho, à guisa de despedida. É lindo!

João, como todo bom príncipe encantado (agora não mais no cavalo branco, mas no seu moto-táxi!), compraria o talão inteiro da rifa, ficaria com ela, correria atrás do ônibus... mas, sempre fica sozinho... João é o cara! Ele é boa-pinta, gente boa, decente, mas ele é de Iguatu e de lá, Hermila nada quer. Ela só quer a passagem para o lugar mais distante possível. São cenas lindas entre os dois. João e Hermila discutem sobre Suely, e a gente quase chora. João vai atrás do ônibus e a gente engasga enquanto a câmera, parada, deixa-nos agoniados na platéia, acreditando no final feliz. Suely e Hermila, por fim, partem dali, graças ao dinheiro da rifa, depois da noite no paraíso com o ganhador – noite infernal -- sem olhar para trás, sem aceitar a carona de João em sua moto, sem saudades de Iguatu... Será?

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

:X
silence

9:53 PM  

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