1.10.06

A gaivota [rascunhos], do Grupo Piollin

Já seria um bom motivo ir até Escola Piollin apenas para ver o nosso novo teatro, recém-inaugurado. Digo nosso pois é assim que o penso. Nossa cidade ganha mais uma possibilidade de espaço de representação, alternativo aos palcos italianos. Se a casa-grande já foi palco de tantos espetáculos como Vau da Sarapalha, o paradigmático espetáculo do Grupo, de O último verso, de Eleonora Montenegro, da Medeamaterial e Blanche rumo aos Campos Elísios, com Ana Marinho, entre outros, agora o Teatro Piollin é inaugurado com a nova produção do Grupo Piollin -- A gaivota [rascunhos], de Tchékhov.
Devo confessar que a minha primeira recepção em relação ao espetáculo não foi das mais tranquilas ou das melhores -- mesmo que hoje esteja pensando tudo diferente. Talvez seja impossível para um espectador "médio" de teatro ver apenas uma vez o espetáculo e ter acesso ao conjunto de signos e de possibilidades semânticas presentes nesta encenação. De outro lado, a linguagem cênica nos expõe a uma relação crítica do ator em vistas da personagem e à própria arte do ator -- numa linha de limite/intersecção com o naturalismo e o distanciamento brechtiano. Também nos impõe um novo lugar na nossa relação com a cena: o do incômodo, o da não passividade, o da avaliação, o da construção dos sentidos em torno do que nos é apresentado. Os atores em cena esforçam-se para encontrar os pontos de vista das personagens, estabelecendo convenções que guiem a platéia nesta aventura. Creio que Everaldo Pontes e Ana Luísa Camino sejam aqueles que estejam mais confortáveis nesta tarefa. Um porque transita de uma maneira aviltantemente sagaz entre o ator-ele mesmo no palco [inclusive com direito a um depoimento pessoal, que cruza um episódio de sua própria experiência com o cosntruto de sua personagem na malha textual] e a outra por conseguir eta alternância mediante uma análise, em minha avaliação, 'racional' desta relação que equaciona a atriz-ela mesma e a personagem. Curiosamente, são os personagens femininos que melhor transitam nestas dimensões. Seriam os seus intérpretes ou seria a própria tessitura das personagens mais ricas, mais interessantes mais vivas?
O espetáculo, parece-me, constrói-se em cima de duas vigas ancoradas na dramaturgia -- aquela em que se discute a relação de oposição entre o novo e o velho [nas formas artísticas, no teatro, nas formas de representar, nos gostos em torno de repertório, nas relações entre personagens] e uma outra alicerçada na dialética entre fracasso e sucesso [na vida, nas relações pessoais, nos projetos estéticos]. De certa maneira, estas vigas também pesariam sobre a história e o lugar desta montagem no contexto atual do teatro paraibano e no lugar do Grupo na história deste teatro. O que nos é apresentado enquanto espetáculo nos põe a discutir questões pertinentes às formas dramáticas e às formas teatrais em nossa cena local. Impulsiona a efervescência de olhares sobre os modos, os fazeres e sobre o lugar da técnica no trabalho do ator, enquanto compositor da cena e de seus sentidos que se entremeiam no texto cênico, resultante do trabalho do encenador a partir do material [ou das possibilidades] dos atores. De outro lado, abre-nos veredas sobre a discussão em torno do repertório, sobre a existência dos grupos estáveis e sobre a necessidade de tais grupos manterem-se trabalhando, montando -- sejam os sucessos de público e de crítica, seja os exercícos de novos rumos e caminhos... que indiquem a necessidade de não parar...
--- Certamente, volto a este assunto. Espero, em breve, discutir mais e mais sobre estes temas. Aqui, só abro os primeiros comentários do que, talvez, possa vir a tornar-se uma análise amis inteira...