26.8.06

Afogados

Em meio ao cariri, numa tarde de quinta, Maria Bethânia cantava uma música de Chico César. Cenário de road movie. Cenário em que a vida no asfalto, de repente, toma um outro sentido. Cenário meu. O que eu preciso está em todo lugar. Nas similitudes, nas parecenças. Mas, o que eu preciso, nem eu mesmo sei onde está ou onde se escondeu...

22.8.06

Pride, Prejudice

Era fevereiro. Foi quando vi pela primeira vez a versão cinematográfica do romance de Jane Austen, Pride and prejudice. Lembro de que, àquela altura dos acontecimentos de minha vida, ffiquei muito impressionado com a enorme beleza do filme. Nada de mais: apenas mais uma história de amor, com um belo elenco e com uma fotografia escandalosa. Naquele momento, també, foi inevitável a empatia com a jovem Lizzie. Hoje, vi de novo. É agosto. De novo, de certa maneira, re-instala-se a empatia. É a cena do baile público, logo no início do filme.
Lizzie está nitidamente impressionada pelo esfíngico sr. Darcy. Ela insinua que gostaria de tomá-lo para uma dança, a esta insinuação ele responde que só dança quando é inevitável... Passa-se um tempo. O sr. Darcy, numa conversa com o sr. Bingley, comenta a beleza de Jane, irmã de Lizzie. O sr. Bingley, por sua vez, destaca a beleza de Lizzie, ams o carrancudo Darcy diz que a beleza dela é, apenas, tolerável... Lizzie, desolada, escuta. Nova passagem de tempo. Numa roda de conversa, Darcy comenta sobre a poesia e sua funçaõ importante nos enlances românticos. Lizzie diz que, na realidade, a poesia pode, inclusive, atrapalhar. Se não for, realmente, bela, ela pode acabar um relacionamento promissor.
Darcy: "Então, o que a senhora recomendaria...?"
Lizzie: "Uma dança. Mesmo que o par seja apenas tolerável..." [Sai. Vitoriosa]

16.8.06

HH

IX

Tenho meditado e sofrido
Irmanada com esse corpo
E seu aquático jazigo

Pensando

Que se a mim não me deram
Esplêndida beleza
Deram-me a garganta
Esplandecida: a palavra de ouro
A canção imantada
O sumarento gozo de cantar
Iluminada, ungida.

E te assustas do meu canto.
Tendo-me a mim
Preexistida e exata

Apenas tu, Dionísio, é que recusas
Ariana suspensa nas tuas águas.


Hilda Hilst
[de Ode descontínua e remota para flauta e oboé. De Ariana para Dionísio.]

15.8.06

Pau a Pau

Ontem à noite fui ao nosso belíssimo Teatro Santa Roza para assistir a uma peça do circuito Palco Giratório - a peça de BSB, chamada Dois de Paus, de autoria de Arthur Tadeu Curado, também ator na peça ao lado de Sérgio Satoro. Sabia desde início que a peça abordaria temática homoerótica, o que se refletia, sintomaticamente, na platéia praticamente cheia do teatro, mesmo em plena segunda-feira.
Quando vou ao teatro para ver algo em torno desta temática sempre vou com certo medo, pois acho as cores da palheta do palco, muitas vezes, vívidas demais, ao contrário do que acontece nas telas do cinema. As velhas questões do realismo, da quarta parede, da maneira comos e tratam temas cotidianos no palco... um monte de coisa ao mesmo tempo: sempre penso que um texto vazado em linguagem cotidiana, contemporânea, sempre precisa ser muito bem dirigido e muito bem inflexionado pelos atores, pois corre-se muito risco de beirar o patético, o mesmo valendo para a tragédia e os clássicos -- aliás, falar em cima de um palco é tarefa das mais complicadas, sempre! De outra maneira, torna-se mais complicado quando o tema já traz em si uma série de outras complicações e aqui os nós dessa trama começam a se apertar mais ainda...
O homoerotismo é uma faca muito afiada, enquanto tema para a produção artísttica. Mas, também, não é nenhuma novidade: de Safo de Lesbos a Oscar Wilde, passando por Caio Fernando Abreu e chegando a Hilda Hilst. Guimarães Rosa e os amores de Riobaldo e Diadorim, aquela dos olhsod e conhecer... Sempre, sempre, estamos falando, escrevendo, pintando e "dando pinta" sobre isso. Mas, no teatro, o meu repertório repousa sobre algumas poucas referências -- quem tiver mais, faça favor de me dizer -- lembro de Veludo [em Navalha na carne], de Geni [na Ópera do malandro], ou de Angels in America ou de Rent [essas últimas do repertório norte-amaericano], ou dos inúmeros personagens de Tennessee Williams, seja na Gata em teto de zinco quente ou n'O bonde chamado desejo. No cinema é inevitável não esquecer do blockbuster Brockeback Mountain, talvez um dos filmes mais lindos que vi nos últimos tempos e que tratava da história de um grande amor, frustrado pela covardia e pela necessidade impositiva de renúncia, tudo isto a partir de uma perspectiva absolutamente perfeita no que se referia à construção das personagens, extremamente sólidas, e do próprio entrecho amoroso que de tão verossímil me fez reagir de uma maneira quase infantil diante de algumas cenas. Acho que já me sentira assim diante de Closer, quando das inúmeras brigas e dos diálogos absolutamente cortantes entre os protagonista; ou, ainda, diante de Angels in America. Remeteria, ainda, a filmes como Wilde, As horas, Coisas que você pode dizer só de olhar para ela, Meninos não choram...
Mas, por que tanta digressão? Porque ao abrir das cortinas ontem estive, sempre, entre decidir se o que via no palco era bom ou ruim... uma postura também estranha a mim quando estou no teatro. Eu ficava sempre me perguntando se a perspectiva da peça era preconceituosa ou politicamente acertiva; se o tratamento dado aos personagens era positivo ou negativo; se a maneira como a relação estava sendo represnetada era caricaturada ou não. Durante a peça mudei de opinião um milhão de vezes e posso afirmar, por isso mesmo, que aquela peça me fez pensar.
Mas, vamos tentar buscar mais coisas. Tecnicamente a peça sofria de algumas muitas fragilidade. Os atores muito bons nas cenas de briga e desentendimento, também escorregavam e quase chegavam ao melodramático, na linha tênue que quase fazia o público rir. Outra hora, nas cenas mais distensas, eles perdiam o tom das personagens e elas quase pareciam uma caricatura do homossexual, como aqueles que aparecem, desde sempre, nos programas do humor: a bicha, a louca, o efeminado... No outro momento, eles eram fantásticos e as cenas românticas aconteciam com um tal naturalismo que ninguém se apercebia que lá estavam dois homens se acariciando e se beijando no palco, algo muito diferente do que a Globo fez ao insinuar e, por fim, cortar o beijo da novela das oito, que poderia ter um resultado extremamente afirmativo para a formação da identidade de uma série de jovens e para a informação geral da nação. Homens e mulheres se beijam, Mulheres e mulheres se beijam, mas Homens e homens, também se beijam -- tudo isso, no pau a pau! As passagens de tempo eram muito bem resolvidas, os espaços bem construídos, mesmo no extremo realismo da sala e do sofá.
Mas, mesmo assim, não sei dizer porque não consigo dizer que adorei a peça, queria izer isso, mas não consigo. Creio que, em alguns momentos, ela reforçava estereótipos, mesmo que no seguinte ela conseguisse dar um salto. Ah, essa dialética... Mas, valeu a pena ter ido ao teatro e ter visto um tema tão difícil e tão polêmico em cena. O amor de Júlio e Alex estava em cena, em seu primeiro encontro [ apior cena da peça], no dia a dia, na possibilidade de encontrar os pais e assumir este amor. No desgaste, nas brigas, na infelicidade sendo plantada dia-a-dia, até que tudo acababva no que se iniciava, numa grnade briga, em adeus, em coisas duras e difíceis sendo ditas e ouvidas. Amor, mesmo quando mal contado [ou encenado] é sempre amor... e falar de amor é sempre difícil e encantador. Mesmo quando as personagens titubeiam [ou seus intérpretes], talvez isso seja o que me encantou -- o amor gritado, exposto, quase como nuam autópsia-- talvez dos autor, dos atores ou de nós mesmos -- mas, como numa autópsia, muita de grotesco e de desagradável venha à tona, nem tudo precisamos ver, nem tudo precisamos ouvir. Mas, essa, ainda, é a magia do teatro. Mesmo um espetáculo com fragilidade sgritantes, nos pôs a pensar ontem, de um jeito ou de outro.