21.9.08

A Gaivota [versão 1,5, atualizando algo que escrevi em 2006, qdo da estréia]

Ontem fui ao Teatro Santa Roza para ver, mais uma vez, a leitura do Grupo Piollin, em torno de A gaivota, de Tchékhov. Devo confessar que a minha primeira recepção em relação ao espetáculo, quando houve sua estréia, não foi das mais tranquilas ou das melhores -- mesmo que hoje esteja pensando tudo diferente. Talvez seja impossível para um espectador "médio" de teatro ver apenas uma vez o espetáculo e ter acesso ao conjunto de signos e de possibilidades semânticas presentes nesta encenação. De outro lado, a linguagem cênica nos expõe a uma relação crítica do ator em vistas da personagem e à própria arte do ator -- numa linha de limite/intersecção com o novo naturalismo cênico, bastante em voga ultimamente, e o distanciamento brechtiano.
Mas, e principalmente, também se nos impõe um novo lugar na nossa relação com a cena: o do incômodo, o da não passividade, o da avaliação, o da construção dos sentidos em torno dos rascunhos daquilo que nos é [quase] apresentado. Os atores em cena esforçam-se para encontrar os pontos de vista das personagens, estabelecendo convenções que guiem a platéia nesta aventura. Creio que Everaldo Pontes e Ana Luísa Camino sejam aqueles que estejam mais confortáveis nesta tarefa. Um porque transita de uma maneira aviltantemente sagaz entre o ator-ele mesmo no palco [inclusive com direito a um depoimento pessoal, que cruza um episódio de sua própria experiência com o construto de sua personagem na malha textual] e a outra por conseguir esta alternância mediante uma análise, em minha avaliação, 'racional' desta relação que equaciona a atriz-ela mesma e a personagem. Ana Luísa, talvez, seja a nossa possibilidade de encontrar o conforto da empatia, pois todo o espetáculo não quer nos levar à catarse, ao contrário, nos obriga a permanecer avaliando, questionando, montando quebra-cabeças. Veja-se o que acontece na cena em que as personagens de Nanego Lira -- o escritor -- e Ana Luísa -- a atriz aspirante -- se encontram e se beijam e logo em seguida um outro ator não nos deixa envolver pelo beijo, bebendo prosaicamente um copo d'água. Cada vez a cena é estática, e isso não é negativo, cada vez mais a açaõ está no nível lingüístico-verbal; cada vez mais a voz não empostada, a necessidade de nãos e cair no drama, mesmo que haja concessões genias à Ana Luísa, na última fala de Nina.
Tendo a crer que a entrada de Thardelly Lima alavancou a presença de Buda Lira na cena. Thardelly ainda está chegando na estrutura, mas sua entrada já nos deu um novo fôlego, pois Konstantin apareceu e nasceu. É lindo o embate entre ele e a sua mãe, quando vemos dois grandes atores em cena. De um jeito ou de outro. É maravilhoso. A última cena, que culmina na morte dele ainda é fantástica, quando o espetáculo abandona definitivamente a ação e as rubricas se misturam à leitura de faals, como se estivéssemos numa leitura dramática.
O espetáculo, parece-me, constrói-se em cima de duas vigas ancoradas na dramaturgia -- aquela em que se discute a relação de oposição entre o novo e o velho [nas formas artísticas, no teatro, nas formas de representar, nos gostos em torno de repertório, nas relações entre personagens] e uma outra alicerçada na dialética entre fracasso e sucesso [na vida, nas relações pessoais, nos projetos estéticos]. De certa maneira, estas vigas também pesariam sobre a história e o lugar desta montagem no contexto atual do teatro paraibano e no lugar do Grupo na história deste teatro. O que nos é apresentado enquanto espetáculo nos põe a discutir questões pertinentes às formas dramáticas e às formas teatrais em nossa cena local. Impulsiona a efervescência de olhares sobre os modos, os fazeres e sobre o lugar da técnica no trabalho do ator, enquanto compositor da cena e de seus sentidos que se entremeiam no texto cênico, resultante do trabalho do encenador a partir do material [ou das possibilidades] dos atores. De outro lado, abre-nos veredas sobre a discussão em torno do repertório, sobre a existência dos grupos estáveis e sobre a necessidade de tais grupos manterem-se trabalhando, montando -- sejam os sucessos de público e de crítica, seja os exercícos de novos rumos e caminhos... que indiquem a necessidade de não parar...
É isso ainda. E devemos falar mais e mais.

14.9.08

Estou ficando cego.

Há anos atrás, quando eu li “Ensaio sobre a cegueira”, do escritor português José Saramago, lembro que tinha me formado em Letras e que era época de fim de ano. Estes dois fatores devem ter atuado sobre a minha recepção de leitor, mas, sei que, pra mim, até hoje, esta é a maior experiência de leitura que já tive. Um livro que, entrando numa temática próxima a Kafka, traz à tona uma estranha epidemia de cegueira “branca” que assola um país. De início apenas um pequeno grupo é atingido, mas, depois, a infecção alastra-se em escalas perturbadoras e os infectados começam a ser excluídos do convívio social, levados a guetos, numa referência que me faz lembrar episódios ainda muito vivos da história do século XX. Na realidade, este tema casa com ele – intolerância à diferença, algo muito comum em nossa civilização ocidental – o diferente, o outro – seja por conta da cor da pele, da conduta sexual, do lugar onde se mora – acaba sendo visto como um perigo, uma ameaça premente.

Por medo da estranha doença, todos são afastados. Todavia, teremos nossos olhos límpidos em meio ao caos humano que se instaura. A “mulher do Médico” não cega. Inexplicavelmente, e é ela que nos conduz àquela jornada, sua de fato. Uma dona de casa, de hábitos prosaicos, resolve – por amor (ou solidariedade?) ao marido dizer-se cega, para ir com ele ao gueto. Creio que a palavra mais precisa é essa: solidariedade. Personagem arquetípico da capacidade feminina de doar-se, tornada quase uma representação-ação da solidariedade, organicamente constituída num único ser. Inteiro. Pulsante. Solidarizar-se com os outros. Mãe universal. Eterna. Terna. Esta mulher assume um fardo pesado demais para qualquer pessoa, ver o invisível. Ver aquilo que todos nós nos negamos a ver: a pobreza, a intolerância, a diferença, os piores crimes, a morte, a fome. Tudo o que viramos o rosto: a sujeira, o feio, a nudez. E ela vê tudo.

É esta mesma personagem que, juntamente com a câmera do diretor Fernando Meirelles, nos conduz ao mundo em desordem do seu filme do mesmo nome. Julianne Moore, como sempre disse, única atriz capaz de encarar-encarnar aquela personagem, numa interpretação contida, no ponto, assume a caracterização daquela mártir ultra-pós-moderna, por isso mesmo, tão antiga, tão arquetípica. Não vou me adiantar muito, para não quebrar a expectativa dos que ainda vão ver ao filme.
Só digo uma coisa.
Acabada a infecção, esta mulher que viu demais, como Édipo, percebe-se, novamente, em seu antigo lugar no mundo e, depois de tudo o que fez, entende: "Estou ficando cega".

11.9.08

Mário de Sá-Carneiro, em carta de 4 de Abril de 1916, dirigida a Fernando Pessoa, antes de sua morte:

Meu querido Amigo,

Neste enredo formidável de coisas trágicas e até picarescas, não sei desenvencilhar-me para lhe fixar certos detalhes. Olhe, guinchos e cambalhotas sempre - e sempre, afinal, a Estrela de encontrar pessoas que estão para me aturar. [...] Você escreva. Ria-se: mas no fundo tenha muita pena - muita do seu, seu
Mário de Sá-Carneiro.
Escreva imediatamente! Escreva.

10.9.08

fever

continuo queimando... "come on, baby, light my fire!"


Só aulas. Nada além disso. Minha vinda à Maceió tem se resumido a um tantão de trabalho e a muita coisa pra pensar. Chego ao hotel destruído. Coragem pra nada. Só pra pensar, bem muito, em tudo e em tod@s.
Por aqui, ando falando de um tudo: crise do drama, superação da crise do drama, de diálogos intersubjetivos, passagens para reflexões intrasubjetivas.... ops! tou dando aula ou falando de mim mesmo...?

8.9.08

só quem já morreu na fogueira...

... sabe o que é ser carvão.

a vida da gente vai dando voltas em torno de um eixo só. como o carrossel daquele texto de Caio, o Fernado Abreu, é, ele mesmo! um carrossel que só os outros podem brincar e que a gente só pode olhar de fora... enquanto todo mundo vai brincando. eu, de minha parte, vou olhando, de fora e inconformado.
a semana de letras aconteceu. fui um trabalhão tamanho do mundo. mas, em minha avaliação, foi bom demais. claro que um monte de coisas poderiam ser diferentes, mas, diante do que temos visto em congressos e simpósios, diante da banalização total do que ocorre neste tipo de evento, creio que foi bom sim. fico pensando se estes eventos não poderiam ser mais pragmáticos, mas voltados a discussões de temas gerais, de coisas que movem mais efetivamente a nossa lida diária,seja como alunos, seja como profissionais de letras.
acaba a semana, ainda me vejo completamente envolvido em setecentas mil coisas q tenho de fazer, que tenho de dar de conta. a vontade mesmo é parar tudo. e não fazer mais nada. mas, num tem bokinha não -- é fazer. e pronto.
agora mesmo, estou na UFAl tentando dar um curso sobre o drama moderno brasileiro, na realidade, discutindo questões concernentes à "crise" do drama e à constituição de uma dramaturgia não-dramática. enfim, se der certo, ao final, terei o artigo pra Londrina.
beijos, me liga!