19.4.06

chuva, com Manuel Bandeira

Hoje, ao acordar, a chuva batia na minha janela, convidando-me pra um novo dia... é, talvez o "inverno" tenha já chegado... tenho tanta , tanta coisa pra fazer! mas, a minha vontade é escutar música e acreditar q "daqui pra frente, tudo vai ser diferente"... na impossibilidade, vai Manuel Bandeira:


Poema só para Jaime Ovalle

Quando hoje acordei, ainda fazia escuro
(Embora a manhã já estivesse avançada).
Chovia.
Chovia uma triste chuva de resignação
Como contraste e consolo ao calor tempestuoso da noite.
Então me levantei,
Bebi o café que eu mesmo preparei,
Depois me deitei novamente, acendi um cigarro e fiquei pensando...
− Humildemente pensando na vida e nas mulheres que amei.

18.4.06

o menino triste

Dia desses, andando de carro e envolto nas reminiscências, lembrei de uma história antiga - alguém me contou, quando eu era criança, entre balanços de rede, a história do menino triste, que, sozinho, queria enfrentar o mundo. tal qual aquele poema de António Nobre, ele se enfeitava de flores, como nossa senhora das dores, para enfrentar tudo e todos. mas, só, só sofria. muito. e a sua dor imensa não se aplacava. como nunca se aplacam as dores... E, de tanto sofrer, cansou. foi atrás de vida. tocou-se de flores, novamente. mas, não encontrava nada. nada. descobriu que as flores eram de plástico e que, apesar de que, já dizia a música, "as flores de plástico não morrem", ele descobriu que elas apenas travestiam a dor, com beleza, mas a beleza era de plástico. ela era anti-natural. e ele se sentou, num canto qualquer, ainda mais só. ainda mais triste. lembro que, na história, as pessoas até queriam ajudá-lo, mas, simplesmente era impossível: ele era inatingível em seu silêncio, inexpugnável em sua face, indissolúvel em sua crença numa vida que não existia para além dele. lembro, também, que eu ficava triste com toda aquela tristeza - "tão profunda que nem um Prozac podia alcançar", claro que eu só entendo isso hoje, quando posso ver tudo claramente. quem sabe a vida não pode ser mais fácil pra ele um dia, quando 'over the rainbow', ele descubra que a vida poderia ter sido mais simples. que as flores, mesmo que morram, têm sua beleza. que tudo muda, tudo é frágil, tudo passa....

15.4.06

chova, chuva

saí à noite e tomei um senhor banho de chuva. num sei se vcs sabem, mas adoro chuva. talvez seja fácil pra quem mora num lugar onde faz sol a maior parte do ano de chuva. será que se eu morasse em Londres eu ainda assim gostaria de chuva? a chuva me lembra um monte de coisa da minha tenra idade: o cheiro da chuva no terraço da casa da minha vó, tardes inteiras lá olhando pra chuva e sentindo os respingos das telhas... dias chuvosos em casa assistindo filme na sessão da tarde... férias de julho... tardes em campina grande, voltando do colégio... fantasias de amor na adolescência com cenas de beijos cinematográficos sob a chuva... tardes vendo a chuva e esperando que ela passasse ou me levasse ou lavasse!
hoje to feliz! é bom estar feliz! é bom...
ps: ainda assim, lembro de Richard, em As horas: Oh, Mrs Dalloway, always giving parties to cover the silence!

14.4.06

na quinta-feira santa - em torno da paixão 04

Cheguei atrasado. Minha vida me empurrou pra outros rumos e outras paixões. Não consegui chegar a tempo, mas um pedaço de mim estava lá na Praça do Bispo. Corri pra lá. Cheguei por volta das 21:20 h. E ouvi o final da cena do endemoniado enquanto me aproximava da arena. Como eu não tinha ingresso para hoje, já estava bem conformadinho – não poderia entrar e ver o espetáculo de perto. Havia algumas pessoas junto às catracas de entrada. De lá, elas assistiam à peça. Juntei-me a elas e vi toda a cena da Entrada em Jerusalém. O público aplaude quando Jesus passa, carregado em andor, e seguido por um cortejo que sacode seus ramos verdes, enquanto tapetes floridos são estendidos no chão para o Cristo, triunfante, passar.

Como é clássico, depois do triunfo segue-se a queda. A cena da Santa Ceia tem um efeito visual bastante interessante. O congelamento das imagens, quando cada apóstolo se posiciona de uma maneira – com em Jesus Christ Superstar, o filme – é muito bem re-utilizado, lembrando um quadro renascentista. No entanto, acho a cena longa, talvez, por ela ser sem texto, mas, talvez, também seja apenas uma implicância. È fantástico quando Jesus aproxima-se de Judas para lhe dar o pão e todo o corpo de Judas (Antonio Deol) enverga-se, dessa inércia ele foge, sendo seguido pelos demais apóstolos. Essa tensão-distensão está sempre presente na construção física do personagem, e é interessante reparar nela em vários momentos do espetáculo. Enquanto Jesus sofre em agonia no Horto, arma-se a cena seguinte com Judas e a primeira aparição dos sacerdotes do Templo. A caracterização destes personagens é genial: são cinco ao todo – na realidade quatro atrizes, entre elas Soia Lira (como Caifás), que está dando um show – as personagens entram vestidas de burca preta, que se transforma no manto dos sacerdotes, o efeito plástico é bastante eficaz, principalmente, quando elas se contrapõem ao figurino mais leve e claro dos dançarinos do bacanal de Herodes.

Jesus é preso, levado diante de Caifás, apresentado a Pilatos e finalmente chega ao palácio de Herodes. Essas três cenas apresentam ação em simultaneidade: enquanto Jesus sofre, Judas acerta os detalhes da traição com os sacerdotes, de lá todos seguem à casa de Caifás, enquanto Pedro e Judas se enfrentam – na cena posterior à negação – há uma narração, resolve-se a ida à Pilatos – os sacerdotes apontam para Jesus e Pilatos, que aparece em uma janela da igreja – , começa o bacanal de Herodes, enquanto todos dançam sensualmente, aproxima-se os sacerdotes que interromperão a festa. È de se destacar a maneira como a direção consegue manter encadeada toda uma longa seqüência, envolvendo vários quadros, em ação simultânea, um feito que minora o adensamento narrativo de algumas partes do texto dramatúrgico.

Vou pular para, talvez, a seqüência mais simples e mais forte do espetáculo:a Via Sacra. Como resolver aquilo que é mais tradicional e mais estereotipado em qualquer espetáculo sobre a paixão de Cristo? Mais ainda, como resolver esta seqüência quando ela marcada pela narração proferida pelos quatro evangelistas? Detalhe: no meu texto, Mistérios da Paixão, essa seqüência também era narrativa, na realidade, sugeria-se a intervenção de um cantador que narraria os passos da paixão enquanto um retábulo expunha cada estação, enquanto os atores do auto dentro do auto fariam simples movimentos – toda essa seqüência foi reconstruída pela direção por julgar nenhum pouco teatral. Curiosamente, a direção atual se viu diante do mesmo problema. E resolveu-o lindamente. Os passos da paixão são acompanhados pela narração dos quatro evangelistas, pelo Anjo Gabriel que repassa os números de cada estação, marcando-as. A arena vira uma grande espiral – representação de um destino que não mais permite escapatória e que vai, cada vez mais, passo a passo, se fechando em si mesmo. Essa espiral vai se construindo com os romeiros que, acompanhando a Via Sacra, vão se jogando no chão a cada passo, marcado por um rufar de alfaia. È muito difícil por em palavras o que acontece: os protagonistas de cada passo executam o mínimo de movimentos, para atingir o máximo de expressividade, levada a um máximo de tensão a cada parada que transforma em quadro estático aquela estação que se narra. O efeito visual e dramático é lindo. Levando-nos a um poço, talvez, sem fundo, em que somos obrigados a refletir sobre aquilo que configura os sentidos da morte do Cristo, conseqüência de seu martírio. A crucificação também é um capítulo à parte: ao há o uso da cruz, os atores são elevados sobre os ombros de outros que servem de base, enquanto o restante do elenco permanece encobrindo esta base e, estaticamente, expondo no corpo, movimentos de agonia e dor. Após a morte do Cristo, a cruz transfere-se para os braços do povo, que carrega a cruz, em agonia. Ontem ela girou sobre o eixo, mas dias anteriores ela gemia e tremia. E o resto é silêncio. Depois falo mais. O silêncio e a escuridão tomam conta da arena e de mim.

Em tempo: terminado p espetáculo, abracei minha amiga Eleonora Montenegro. Nunca senti aquilo, a energia da atriz estava sobre a roupa, em cada centímetro. Era perceptível... e foi arrepiante. Literalmente. Será ela uma deusa?

13.4.06

A estréia - em torno da paixão 03

Cheguei na chamada Praça do Bispo ali pelas 19:30 h. e a arquibancada de frente à Igreja já estava quase lotada. Esperamos um monte pelo início do espetáculo, pois, dentro da Igreja, havia um recital de música (sei lá qual, executado por sei lá quem). Confesso que pairava sobre mim um misto de muitos sentimentos – desde uma saudadezinha do ano passado e dos abraços de Rosa de Lima (ela sabe do que estou falando!) até uma invejinha (branca) de todos. Roí todas as unhas de novo e olhava a cada dois segundos pro relógio. Esperando, esperando, esperando.... Vi Duílio, de novo, andando de um lado pro outro; vi Ingrid Trigueiro mais magra; vi Mauríco Germano e o restante do pessoal do Himalaia (aqueles que enquanto bordam contam piadas). Vi Fabiano Diniz testando a luz.

Ali pelas 21:25 é que a FUNJOPE anunciou o início do espetáculo. Arena cheia. Um público inquieto e desatento. Talvez desinteressado, ou, quem sabe, despreparado. Com a arena apagada inicia-se a música – uma nota musical dá o tom em que Zé Guilherme – Dom Marcos – tem que começar a aboiar o elenco e o espetáculo. Não sei se era o microfone – que teimava em não funcionar muito bem – mas, tive a impressão de que a voz dele embargava e que, talvez, teimasse em desobedecer. Os quatro evangelistas entraram ao som da música de abertura. Emoção? Talvez! Eles se apresentam e o público fica meio em choque até que entram os estandartes e os grupos de romeiros, conclamados à cena por cada um dos dons: Joht Cavalcanti (Dom Lucas), João Dantas (Dom Mateus) e Melania Silveira (Dom João). Os estandartes têm que se abaixados para não derrubarem os fios e os microfones que teimam em não funcionar corretamente... mas, quem se importa?, ouço algumas exclamações como “Puxa, que bonito!’ – diante das filas que giram em torno do eixo da mandala que cobre o “palco” circular.

Dom Marcos anuncia o casal “da imagem” e as portas da igreja abrem, mostrando José e Maria, acompanhados de anjinhos. O público suspira e aplaude. Uma criança diz: “Mãe, tem tanta poeira!” Ai, meu Deus, essa é a magia! O restante do quadro é de Eleonora Montenegro. Ela saltita como a Maria jovem, surpreendida por um anjo, talvez, caído de um quadro maneirista ou renascentista, mas que tem sotaque estrangeiro, mesmo que seja ainda barroco. Ela canta o “Magnificat” diante das pastorinhos dos dois cordões e nos toma pela mão para ir dizer a José sobre a sua gravidez. Sai de cena e torna a voltar, no caminho pra Belém, acompanhada por uma procissão de candeias que circundam-na para “ver”, curiosamente, o nascimento do bebê. São essas mesmas candeias que se tornam a estrela: não a do céu, mas a da terra onde o menino nasceu, no chão da praça. A gente não acredita que aquilo aconteceu bem ali, diante de nossos olhos. Entram os reis que cantam e dançam em louvor do menino e de nossas três etnias – um negro, um índio e um branco – que, se perpetuam mais uma vez a nossa vontade de harmonia entre raças, também pontuam o louvor de toda terra e gente praquele menino acabado de nascer. Esse quadro arrebata o público. Acho que o espetáculo é “ganho” aí. Sempre acredito que a gente tem que “ganhar” o público nas primeiras cenas, assim, ele cúmplice, entra no jogo. A próxima transição é bela. Embaixo dos arcos floridos, um grupo de romeiros abraça Maria que, numa mutação à vista, torna-se Jesus adulto, vestido em cena com sua túnica branca. Entram os lanceiros do Maracatu, que se tornam o Rio Jordão, que se eleva aos céus e, logo depois, marca a entrada da tríade demoníaca. Essa cena, em sua concepção é bastante interessante, mas ela perde em energia na realização, mesmo que os atores façam o que podem e o que não podem pra conquistá-la. Jesus (Kleber Marone) é envolvido numa teia, em laços que o prende aos demônios do ala-ursa.

Jesus arrebanha seus discípulos e eles se dirigem à Canaã, onde haverá uma festa de casamento. A solução é emocionante – ao som de rabecas, entram por lados opostos da arena, o noivo e a noiva, carregados por seus partidários. O encontro é no centro da arena, misto de casamento judaico e festa na roça, com coreografias ora de festa judia ora de quadrilha junina. È fantástico, principalmente, quando termina com a embolada – “Isso vai dar o que falar/ Isso vai dar o que falar/ A água que virou vinho/Lá nas bodas de Caná”. Genial!

Amanhã, escrevo sobre o restante do espetáculo! Vão ver! Vão ver!

à guisa de diário de montagem - em torno da paixão 02

Jpa, 07/04/2006
Maravilha! A passada do espetáculo que, felizmente, tive a oportunidade de ver hj foi, no mínimo, muito BOA. A energia, a concatenação das cenas, a força do texto na boca do ator, os desenhos coreográficas que não permitem que o espetáculo se perca e que, ao mesmo tempo, marcam a continuidade e a simultaneidade da ação - perpassando o sagrado e o profano, o novo e o velho, a tradição... Genial! Todos os louvores ao diretor q tem um espetáculo em cravado 80 minutos! Todos os louvores ao atores que nos brindam com gratas surpresas! A cena do Barco no mar em revolta, a cena do endemoniado, as Bodas de Canaa, e a maravilhosa via sacra! Putz!!!!! Muito - muito bom! Parabens! .... depois falo mais... ah, e ia me esquecendo, Eleonora Montenegro cantando - sem comentários, né?!
Jpa, em 11/04/2006
estive lá ontem - na arena - na ágora! vi um diretor andando de um canto pro outro, tentando entender por que o som não funcionava direito e atrapalhava a cena. vi um diretor musical querendo retorno pra os seus musicos. vi o iluminador olhando e pensando e planejando a luz, que, tenho certeza, estará linda hoje (ele é um danado!). Vi o figurino - com algumas que ficarão pra sempre na minha memória.vi os atores - gritando o texto pra se fazer ouvir - acreditando nele, defendendo-o, fazendo-o acontecer. vi os desenhos de cena, perfeitos, milimétricos, planejados. Tudo isso eu vi. Quero hoje (12/04) ver a estréia. Sobre o resto a gente fala depois... pois o resto talvez se torne parte orgânica do todo quando houver aquele mágico contato com o público!Estejam lá - de corpo e alma - e acreditem! ... a gente, fascinado, aplaude!

polêmicas - em torno da paixão 01

A cidade que tanto adoro, a velha e linda vila de nossa senhora das neves, ainda assim consegue me surpreender com os equívocos, bobagens e explosões de provincianismo de alguns se seus "ilustres" habitantes! este ano, certos espíritos de alface, já arrumaram uma nova polêmica em torno da já tradicional Paixão de Cristo da FUNJOPE - o beijo. sim, o beijo de judas e de jesus no novo espetáculo Cordel da Paixão de Deus. Tudo começou com um artigo, publicado na net <http://www.paraiba.com.br/colunistas/verColuna.shtml?62>. Fico aqui pensando no tanto de coisas que teríamos para discutir:

[1] em nenhum momento penso que o espetáculo montado com recursos públicos e destinado a um público que prestigia ano-a-ano este evento se proponha a discutir, em nenhum âmbito, a sexualidade de Jesus, visto este assunto não ser pertinente à versão oficial e institucional (católica/cristã) do mito. Não creio também que a a produção do espetáculo, que escolheu por seleção pública autor e encenador, não deve se propor a aviltar o público ou nenhuma instituição, por isso, creio que este nem de longe será o foco do espetáculo. A sexualidade de Jesus já foi alvo de outras discussões, seja na fábula de Martin Scorcese, em A última tentação de Cristo; seja no polêmico Evangelho segundo Jesus Cristo, do autor português José Saramago, contudo, nunca, até onde conheço se levantou a discussão em torno de qualquer outro aspecto da sexualidade do Messias... e não seria, certamente, o espetáculo em montagem em João Pessoa que o faria. Essa exposição, creio, isola o argumento da possibilidade de haver neste espetáculo um beijo "de língua", entre dois atores. Queria saber o que boa parte da nossa comunidade diria se tivesse vindo até aqui a adaptação teatral, de Maria Adelaide Amaral, do Evangelho de Saramago, no qual Jesus andava boa parte do espetaculo sem roupa, simbolizando sua fragilidade humana diante da grandeza de Deus ou da tentação demoníaca, e sua exposição diante do apelo sexual de Madalena, com quem ele "convivia". Queria saber quais os critérios, de moral ou de qualidade artística, seriam utilizados na avaliação deste obra...

[2] tratemos do beijo. sim, foi com um beijo que judas traiu cristo. A partir deste evento, começamos a dimensionar o quanto, em nível simbólico, um beijo pode mudar o mundo. Se um beijo expressa carinho, amor, dada essa formalização, o beijo passou a simbolizar traição! Agora, se o beijo é no rosto, na mão, ou na boca - de Cristo... aí, sim, há realmente motivos a se questionar? Se desconsideramos, no tópico acima, a discussão sobre a sexualidade do Cristo, portanto, só me resta, quem sabe, tentar entender por que a polêmica se instaura. Felizmente, de maneira lúcida, um outro articulista (dessa vez, Renato Félix, do Jornal da Paraíba, em sua edição de 29/03/2006), afirmou: "O beijo na boca entre Jesus e Judas é um cumprimento que remonta à Antiguidade. Isso acontecia entre os persas, os gregos, os romanos e até na Renascença, quando algumas pinturas retratam dessa forma o famoso “beijo de Judas”. E mesmo nos dias de hoje, o beijo na boca entre homens não é estranho como cumprimento, por exemplo, na Rússia. // A própria Bíblia não faz referência ao local onde Judas beijou Jesus. O beijo não é citado no evangelho de João e nos de Mateus, Marcos e Lucas, apenas se diz que Judas o beijou, mas não onde. Logo, alguém pode mesmo dizer que o “selinho” não aconteceu? Mas considerar que a partir disso estaria se insinuando uma suposta homossexualidade de Cristo é um pouco de desconhecimento da História."

[3] Obviamente, também, não poderemos desconsiderar a encruzilhada da discussão entre arte/estética e política, visto ser considerada a, possível, "concepção socialista" da montagem. Curiosamente, o termo socialismo é utilizado num sentido vulgar, que ora parece sinônimo de hippie ou de comunista que come criancinha, mesmo que estejamos diante de pares opostos. Assim, nem vale a pena discutir o que se entende po essa concepção socialista... Pena, também, que, sempre, a discussão sobre arte aqui em João Pessoa tenha muitas cordas no pescoço - as pessoas nem viram ainda o resultado da obra artística e já a julgam e lavam suas próprias mãos! quanta bobagem! mais bobagem ainda por que querem unir a discussão sobre arte com política! Por que não discutimos, isso sim, política cultural!? Afinal, ainda, estamos diante dos velhos dilemas - estetizar a política ou politizar a estética? não sei qual o caminho, mas, talvez, ao invés de se espalhar isto ou aquilo sobre a obra artistica quem nem está acabada ou divulgada - e pior, conseguir demandar atenção! - talvez devessemos discutir a proposta de arte que queremos pra nossa cidade! Talvez seja essa a grande questão - mesmo que as vozes se elevem - naum podemos nem trair quem somos, nem o que acreditamos, ou seremos como Judas e estaremos apenas dando o primeiro passo rumo à forca.

[4] o artigo publicado na internet, como outras vozes que se sempre se levantam, julgam impertinente a montagem de um espetáculo da Paixão de Cristo. Aqui também teríamos boas discussões: será que, apenas, pela temática religiosa podemos julgar um espetaculo - afinal é sobre isso que estamos falando - como pertinente ou impertinete...? Uma coisa não diz da outra, principalmente, diante dos avanços artísticos verificados no ano passado e que serão reafirmados este ano. Sobre isso, espero o espetáculo estrear - daí conversaremos bem mais!


Beijos em todos! não o beijo de judas que eles querem, mas aquele em que acreditamos!

Diogenes Maciel

12.4.06

Complexo de Ofélia

Num tempo distante, em Paris, Satine, a dançarina de cancan que queria ser grande atriz, a tísica, acaba e destroçada por conta do Duque, em pleno Moulin Rouge - com medo, muito medo mesmo, de Virginia Woolf - prometia um dia voar, voar para bem longe, deixando tudo para trás... em busca do grande amor... Chris? Não! Joe! Sendo que, Joe Gillis, estava morto, na piscina, por ter se aproveitado de Norma. Mas, mesmo em sua vida medíocre, ele não sabia disso e, em seu orgulho, continuou sem saber de nada ... de nada, pois ele nunca sabe de nada... e, Norma, acompanhada de Lyly Encarnada, a louca dos pontinhos (ou seria um código indecifrável?), cantavam "Surrender" -- pra o macaquinho morto, mas, ao mesmo tempo, empurrando Joe bem pro fundo da piscina – Acabada a canção, Norma pedia praquela que é da Lira (e não pode negar) pra lhe falar do sonho – aquele, da tatuagem, do cinto e do rosto desconhecido... e ela, espantada, permanecia em silêncio. Um silêncio que poderia ser cortado com uma faca! Satine, por sua vez, como numa mutação à vista, finalmente, voou para bem longe do Moulin Rouge e viu a lua no céu e no mar - onde encontrou Apeles Espanca que, nào menos afogado, lembrava das palavras de Bela, a louca alucinada, sobre Joe (ele, sempre ele): -- Não, não vale a pena continuar dando pedras preciosas - pois só se iguala ao prazer de as dar, o prazer de as receber! ...e Apeles, também mortinho, no fundo da piscina, sorriu - seu sorriso de criança-pálida... dando as mãos a Joe, que, triste, permaneceu na piscina enquanto todos diziam Amém. Numa conversa de pé de ouvido, outro dia, Maggie, the cat, me lembrou, de sua vez, que ainda estava no teto de Zinco Quente, sem querer pular, pois, gatos, sempre, ficam e resistem até seus últimos limites. Menos Grizzabella, the glamour Cat, que ainda espera o dia que está raiando pra, finalmente, ir pra o outro lado, saltando da ponte para dentro da vida. Do outro lado da margem, completamente fora de seus limites, todavia, Blanche Du Bois.... dizia... rindo, na cara de Mitch, o imbecil que a abandona na porta do Tarantula ou será do Hotel Globo? -- "Eu não quero realismo. Eu vou te dizer o que eu quero. Magia! Sim, Sim, Magia! Eu tento dar isto às pessoas, eu invento coisas para elas. Eu não conta a verdade. Eu conto o que deveria ser verdade..." Blanche, de mala em punho e, ainda, dependendo da bondade de estranho, ajudou Satine a sair do mar. As duas, deram-se as mãos, e como uma só – rumaram ao desconhecido – perdidas, em sonhos que não acabam nunca. Nem com um, nem com outro. Nem com nada. Por mais que ninguém mais acredite em nada. -- E conta-se, também, que, até hoje, muitas, muitas lanternas, vermelhas de sangue, som e fúria, cobrem as luzes da cidade!... Como um âmbar, elétrico!